
Direção: Paul Verhoeven
Roteiro: David Birke
Elenco: Isabelle Huppert, Laurent Lafitte, Anne Consigny, Charles Berling, Virginie Efira, Judith Magre, Christian Berkel
Por André Bozzetti
Caro leitor, preciso começar o texto com um aviso. Caso esteja lendo esta crítica antes de assistir ao filme, por favor, não imagine que nestas palavras consegui transmitir tudo o que Elle me fez sentir nos seus 131 min de projeção. Eu realmente precisava ter feito anotações como faço normalmente, mas dessa vez esqueci o bloquinho. Triste. Vou ter que contar apenas com a memória e as sensações que ficaram impregnadas ainda por horas após a sessão.
A sequência inicial do filme é um cartão de visitas muito claro. Ele mostra que não vamos lidar com situações e personagens convencionais. Afinal de contas, começamos escutando os gritos de Michèle e os gemidos e urros do homem que a ataca em uma cena violenta de estupro. No entanto, quando o agressor vai embora, ela apenas se recompõe e, ainda com sangue escorrendo entre suas pernas, preocupa-se em varrer os cacos da louça que caiu no chão durante o ataque e jogar no lixo, para só depois ir tomar um banho que mais parece um momento de relaxamento após um dia de trabalho do que a recuperação do ato tão violento que ela sofrera há pouco. Essa sequência de eventos parece totalmente surreal e inexplicável e obviamente atiça a curiosidade: como pode uma mulher reagir assim ao que ela passou? É então que começamos a conhecer Michèle e seu passado, e Isabelle Huppert inicia o seu show.
Pouco depois de ser atacada, Michèle já está na empresa que fundou e dirige junto com sua amiga Anna (Anne Consigny, de O Escafandro e a Borboleta). Lá, as duas mulheres comandam um grupo de dezenas de jovens, todos (ou quase todos) do sexo masculino, alguns claramente contrariados de seguir as ordens daquelas mulheres. E ali a protagonista mostra de novo uma força admirável, ao enfrentar sem nenhum receio os questionamentos de funcionários insatisfeitos. Ela não se preocupa em fazer ameaças, ou colocar o emprego deles em cheque. Simplesmente tem consciência da sua força ali e não se abala de maneira nenhuma com os comentários maldosos ou brincadeiras de mal gosto que fazem contra ela.
Começo a perceber que vou entrar no terceiro parágrafo seguido apenas descrevendo a personalidade da protagonista, e isso não é por acaso. É uma personagem extremamente complexa da qual nunca sabemos exatamente o que esperar. E é fantástico ver um papel com esta força e relevância toda ser dado a uma atriz de mais de 60 anos, interpretando uma personagem na casa dos 50. Uma liçãozinha para Hollywood que manda para a geladeira tantas de suas atrizes quando passam a aparentar a casa dos 40 anos. E quando falei do show de Isabelle Huppert, não foi nenhum exagero. Com uma atuação minimalista, ela utiliza o sarcasmo e a ironia constantemente, e suas intenções e emoções são sempre demonstradas de maneira discreta, através de gestos sutis e rápidos e quase imperceptíveis sorrisos apenas no canto da boca.
Apesar de Michèle conduzir a trama de maneira magistral, vários personagens que a circundam são tão complexos quanto ela. Alguns inclusive com pequenas participações, mas que surpreendem na forma como se mostram relevantes para a história ou conseguem, em tão pouco tempo, exibir traços bizarros de sua personalidade, como é o caso da vizinha Rebecca (Virginie Efira, de Romance à Francesa).
Mas Elle não é apenas sobre uma ótima personagem. Ele possui um suspense de altíssimo nível e o mais honesto possível, pois oferece suspeitos reais e permite que o público possa adivinhar quem é o agressor a partir de pistas que vão sendo dadas, tanto pelas situações geradas quanto pela competentíssima direção de arte através das cores no cenário e figurinos. Além do mais, todos os suspeitos possuem um biotipo semelhante. Pelo menos três ou quatro homens altos e fortes como o agressor mostram motivos para os ataques em algum momento do filme.
Este será o candidato francês ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Um filme impactante e corajoso por se arriscar a ter interpretações bem controversas sobre a abordagem dada ao estupro que é apresentado na tela. Felizmente para eles, Huppert e Verhoeven conseguem, desde o início do filme, deixar bem clara a singularidade daquela mulher, que só se torna mais fantástica e surpreendente a cada nova situação que a vemos enfrentar.
Nota: 10/10
André Bozzetti
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